Renata alternava entre horas no computador tentando se concentrar em cursos que se inscrevia compulsiva e impulsivamente e alguns trabalhos avulsos que estava começando a aprender a fazer em sua nova empreitada de tentativa de transição de carreira, aos 53 anos de idade, e a profunda depressão que a acometia desde o início de 2020, ainda antes da pandemia, e que a jogou no fundo do poço de maneira dilacerante.
Há quase dois anos em licença médica, sabia que não teria condições de retomar seu trabalho público, e a possível aposentadoria por invalidez faltando apenas dois anos para se aposentar por tempo de serviço a consumia por dentro. Por outro lado, sentia-se uma “nova mulher”, com perspectivas tão promissoras e tão renovadas quando conseguia estudar seus cursos, produzir, focar e trabalhar no computador. Fazia isso por horas a fio, nem sentia o tempo passar.
Todavia, muitas vezes, era pega por pensamentos que a consumiam profundamente e a derrubavam de maneira inexorável:
“Você não é capaz”; “Você é burra, limitada, não consegue aprender as coisas”; “Acha que vai conseguir algo a essa altura do campeonato?”. “Você é doente”; “Vai ficar igual ou pior que sua mãe”.
Esses pensamentos produziam um efeito catastrófico em Renata. Ela simplesmente ficava tão perturbada e arrasada emocional e psiquicamente que se jogava aos prantos na cama e tal como criança pequena só queria ficar num quarto escuro, sem ver nem falar com ninguém e dormia por horas.
A relação de Renata com sua mãe tem sido bem dura e difícil.
Nunca é fácil lidar com mães narcisistas e bipolares, comprometidas a esse nível. Afinal, a primeira relação do bebê é com a mãe e isso ocorre desde o útero. O bebê já recebe as sensações, percepções, entonações de voz, escuta a partir de certo momento, o que se passa do lado de fora e, desde então, pode ir desenvolvendo um sentimento de amor ou de rejeição.
O contato inicial com a mãe quando a criança nasce estabelece, então, um olhar que fundamenta uma série de reflexos, como um espelho que devolve para o bebê humano o sentir-se amado, desejado, querido. Acontece, porém, que determinadas patologias da mente, como no caso da mãe de Renata, são muito comprometedoras para desempenhar essa maternagem, e ficam voltadas num movimento egocêntrico nelas mesmas.
Ao invés delas refletirem como espelho para o bebê/criança sentimentos de amor, carinho, desejo, elas usam o filho (a) como objetos de amor refletido para si mesmas e suas próprias projeções narcisistas, causando um estrago muito grande na autoimagem e autoestima daquelas crianças.
Renata encontrava-se em tratamento psiquiátrico e psicológico há bastante tempo, mas suas feridas eram muito profundas e enraizadas. Fazia uso de medicação maciça, as poucas relações que havia conseguido eram claramente de co-dependência e de padrões de repetição do relacionamento simbiótico e patológico baseado no estilo de funcionamento que a mantinha inconscientemente vinculada à figura materna; havia entrado em dívidas financeiras bem complexas de administrar – reflexo da identificação patológica com a desestabilização de sua mãe, que até a atual idade de 82 anos, devido à ausência de consciência de necessidade de tratamento, vivia de modo muito instável.
Buscava em sua terapeuta holística uma relação de proximidade e a admirava profundamente. Enxergava nela uma espécie de mentora espiritual e queria saber de Deus. Sentia-se tão fragilizada que nem confiava em sua capacidade de interação com o Criador. Achava-se não merecedora, possuía uma mentalidade de culpa, punição e castigo bastante arraigados em sua delicada estrutura de personalidade.
Um dia, levou um susto. Eis que sua terapeuta enviou a ela um vídeo com um nome que a apavorou. O que ela estaria sugerindo com aquela palestra?
Junto com o vídeo, a mensagem:
_ Boa tarde, Renata. Para nosso encontro de amanhã, assista este vídeo com atenção e anote tudo que lhe chamar a atenção. Debateremos os principais pontos. Até lá. Um abraço, Mayara.
Não iria conseguir assistir um vídeo com aquele nome, embora confiasse plenamente em sua terapeuta. Como iria dormir à noite? Mayara sabe que ela tem pesadelos, é medrosa, apesar de acreditar na vida após a morte, mora sozinha. A quem iria recorrer se algo acontecesse?
Seu coração disparou, começou a ficar ofegante, trêmula, passar mal fisicamente. Depois de algum tempo em estado de choque, tomou a decisão e escreveu:
_ Boa tarde, Mayara, sinto muito. Não existe a menor chance de eu assistir algo deste teor. Você sabe que nem passo perto de filmes ou vídeos com este tipo de conteúdo. Não lido bem com suspense, muito menos com terror. Não conseguirei fazer esta tarefa. Estou passando muito mal… – e continuou uma extensa mensagem relatando todos os sintomas físicos que continuavam a aparecer.
Passado algum tempo, eis que Mayara, tendo lido a mensagem e dando-se conta de que Renata havia sofrido um ataque espiritual para lhe impedir o acesso ao real e profundo da mensagem do vídeo, que era seu objetivo quando lhe enviou, escreveu:
_ Renata querida. Confie em mim. Abstraia o título. O vídeo tem uma mensagem fundamental para você. Vai me agradecer no final. Relaxe, faça o exercício da respiração para se acalmar e assista. Se de todo não conseguir, faremos isso juntas na sessão. Só que perderemos uma sessão que poderíamos estar trabalhando o conteúdo e avançando no tratamento, para assistirmos uma palestra que você é capaz de assistir sozinha, já tendo insights e fazendo anotações para levar para a consulta otimizando o tempo. Pense e decida. Até amanhã. Acredito em seu poder de decisão. Beijos.
Renata leu impactada e estava ainda visivelmente abalada e nervosa. Não sabia o que fazer. Mas não podia perder uma sessão. O tratamento era necessário, mas caro. Não podia se dar ao luxo de duas sessões. Precisava se acalmar.
Tomou um banho, fez a meditação e a respiração diafragmática.
Sentou no computador, colocou o fone de ouvido, papel e caneta na mão. Respirou novamente e conectou o canal. Começaram os anúncios e ficou apreensiva. Eis que surge o início do vídeo com um cara que parecia ‘gente boa’. Deu uma relaxada. Mas logo ele falou a palavra temida: “(…) hoje uma aula de terror, hein! Possessão”. Parou o vídeo.
Não conseguia entender o objetivo de Mayara. Será que ela queria dizer que Renata estava possuída? Por isso não se curava? Começaram a vir pensamentos muito estranhos, bizarros, até. Ficou de novo nervosa. Tomou água. Fez a respiração. “_ Porque ela disse que eu ia agradecer no final? Pulo o vídeo para o fim? Não, não posso fazer isso”.
Alguns minutos depois, mais calma, recomeçou o vídeo. Entre paradas e recomeços, fazendo algumas anotações, e bastante emocionada em diversos momentos, Renata conseguiu assistir ao vídeo de 53 minutos em aproximadamente três horas. Foi uma noite longa. Mas, ao final das contas, entendeu várias coisas. As que mais lhe tocaram o coração e chamaram sua atenção foram:
- “O acaso não consta nos desígnios superiores. Não nos aproximamos uns dos outros sem razão”.
- “Estejamos, entretanto, convencidos de que as sementes de luz jamais se perdem”.
Agradecida, conseguiu descansar uma noite tranquila e, com certeza, Mayara teria muito trabalho a fazer nas próximas sessões de psicoterapia com Mayara.
Querido (a) leitor (a).
Mais uma vez, gratidão em ter você aqui!
Gostaria de propor algumas trocas, é sempre tão rico este momento de compartilhar e ressignificar.
Então, vamos lá:
- Como tem sido o seu relacionamento com seus entes queridos e pessoas íntimas, próximas?
- Você consegue se colocar com facilidade no lugar do outro, exercendo empatia e compaixão?
- O que tem mais incomodado ou irritado você, atualmente? Tirado você do sério, do seu eixo? Você consegue tomar para si e enxergar a sua participação nesse processo? Seria uma projeção?
- Você tem trabalhado a autorresponsabilidade nas suas escolhas pessoais?
- Quais pessoas têm aparecido em sua vida no ano de 2021? Você tem sido semente de luz?
Um grande beijo e até a próxima.
Com carinho,
Marcia Vasconcellos
Leia os textos anteriores da série:
1 – Conto: o doce e o cão
2 – Comunicação Multidimensional: possibilidade de cura e libertação
3 – Conto: Às Escondidas
4 – Autonomia Espiritual: Quebra-Cabeças
5 – Curto-Circuito: Eternos buscadores