Carta aos homens divorciados

Uma reflexão sobre a dificuldade dos homens entrarem em contato com os próprios sentimentos.

Uma reflexão sobre a dificuldade dos homens entrarem em contato com os próprios sentimentos.

Ao longo da vida sempre tive um processo de luta muito grande com a culpa. Sou de família de fé católica, que às vezes impõe a culpa do pecado, do erro, etc.. A culpa e o medo são dois instrumentos muito fortes de manipulação.  Esses tempos eu estava assistindo uma live da Margarete Áquila e da Mônica de Medeiros, professoras aqui do Círculo, e o tema era culpa. Entre as milhares de mensagens que elas recebiam no chat, veio uma que me chamou atenção, de um homem dizendo: “Eu me separei e tenho dois filhos. Eu sinto culpa de não estar mais com eles todos os dias, isso me pesa e me corrói por dentro”.

Quando li aquilo pensei: essa dor que ele está sentindo doeu em mim por um ano. Então fiz essa aula aqui para o Círculo sobre aprendizados que tive como pai e separado que sou. É um tema muito sensível ainda para mim, mas eu me sentiria omisso se eu não compartilhasse o pouco do que consegui assimilar nesse período. Porque nós, homens, nascemos com alguns pesos: homem não chora, homem é firme, homem é o sustento… esses paradigmas prejudicam todos nós, de todos os gêneros e expressões de afetividade. Seja você um homem heterossexual, homossexual ou homem transexual, essas questões afetam e parece que há algo que nos pressiona a ser sempre terra, que não possa entrar em contato com os sentimentos.

Eu me separei no final de 2019 e tenho uma relação profunda de amor com meu filho Lorenzo, de quatro anos, que agora mora em Curitiba (PR), com a mãe, e eu moro em Jundiaí (SP). Eu me desloco todo mês para Curitiba para passar 15 dias com ele dentro do acordo de guarda compartilhada.

Por isso, separei 10 pequenos aprendizados que tive e que representam uma carta minha, de coração e alma, para que você, homem, entre em contato consigo mesmo e abrace sua própria natureza.

  1. Homem, permita-se sentir / chorar;

Aprendemos que não podemos chorar, que não podemos sentir. E muitas vezes, simplesmente fugimos. Existem muitas fugas que acolhem muito bem os homens, como o futebol, a bebida, o trabalho… tudo para não entrarmos em contato com os sentimentos.  As lágrimas são a materialização dos nossos sentimentos, que muitas vezes precisam ser exteriorizados. Em geral, criamos uma couraça na volta de nossos sentimentos. E sentimentos represados viram doenças. Chorar não é sinônimo de fraqueza ou depressão, chorar é sinônimo de gestão das próprias emoções e sentimentos.

Eu me desloco ainda duas vezes por mês para ver meu filho e, durante um ano, em todas as despedidas, eu passava um dia inteiro chorando. E isso foi minha força, não foi a minha fraqueza. Me apoiei nas palavras de André Luiz, que diz: “As lágrimas desobstruem as vias do sentir”.  A gente tem essa noção social de que chorar é fraqueza, mas chorar é o caminho da força, porque quando o sentir flui a gente se conecta com estados elevados, com nossa natureza espiritual.

  1. Pais separados e felizes são mil vezes melhor do que pais juntos infelizes;

O que faz mal a uma criança é o ambiente tóxico em que ela cresce, e o não amor. É uma ilusão achar que uma “pseudoestrutura” familiar aos moldes tradicionais vai ser a melhor coisa para o seu filho, custe o que custar.  Ao contrário, sem perceber você acaba transferindo essa responsabilidade para ele no futuro.

  1. Não se apegue ao ditado “O que Deus uniu, o homem não separa”;

Lembra dessa música da Legião Urbana? “São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer…”. Vivemos ainda o peso desse paradigma de que o que Deus uniu, o homem não separa. Mas o que uniu não foi Deus, e sim a sua carência, imaturidade, ilusão, seu estágio de consciência naquele momento. Você fez uma escolha. Mas não podemos carregar o peso de uma escolha para sempre em um mar de infelicidade e destruição. Precisamos aprender a buscar nossa própria felicidade. Pai e mãe que não se amam, não se valorizam, ou seja, não sabem amar e valorizar seus próprios filhos.

Eu me lembro do dia que fomos conversar com nosso filho sobre a separação. Peguei ele na escola e dentro carro, ele com três anos e meio, vira para mim e pergunta para mim: Pai, você se ama? Eu achei estanho ele repetiu a pergunta três vezes. Eu respondi: “Sim, filho, eu me amo, e porque eu me amo eu também posso amar você”. E ele olhou pra mim e disse: “Então eu também me amo”.

Essa foi uma das experiências mais incríveis para mim. Foi como se a pergunta dele estivesse validando minha decisão, pois eu não estava me amando naquela relação. O amor é escolha, o amor é liberdade, mas o amor começa com você.

  1. O medo de ser rejeitado por seus filhos;

Temos o receio de rejeição pelos filhos, pois é um amor incondicional.  É um medo interior que diz “e se todo o amor que tenho pra oferecer não for bom o suficiente?”. Temos esse receio de falhar no amor com os filhos. Supere o medo de rejeição dos filhos com amor. Porque ao amor vale a pena. Ame sem medidas, sem reservas, sem esperar nada em troca, isso é amor, não é fatura de cartão de crédito. Mas primeiro, se ame.

  1. Permita-se amar de forma singular, sem repetir ou se espelhar;

Quando eu era criança tinha um amigo que tinha um pai muito legal, que passeava com ele, dava mesada toda semana, era o pai legalzão. Diferente do meu que estava sempre trabalhando e fazendo hora-extra, tudo para sustentar três marmanjos em casa, não era fácil. E essa era a forma do meu pai nos amar. Na sua relação com seu filho, descubra a sua forma de amar. E não adianta se comparar, pois cada pai é um pai. Não tem certo ou errado, tem o que funciona para vocês.

  1. Longe é um lugar que não existe. Perto é estar do lado de dentro;

O maior medo que eu tinha na separação era de que ele fosse morar longe com a mãe. Mas estar perto é estar do lado de dentro. A partir disso retomei minha conexão mental com ele e em todos os momentos mando a mensagem de que estou aqui e o amo. O amor é o lugar onde nos encontramos e não tem limite espaço-temporal.

  1. Principio de Polaridade para vencer conflitos;

Tudo tem seus polos. A gente ouve esse principio e não aplica na vida. Quando reconheço polaridades de mesma natureza sou capaz de transmutar. Mas se você comparar coisas de natureza diferente você não consegue transmutar e isso pode ser uma armadilha.

Um dia ouvi de uma pessoa que eu não amava tanto assim meu filho porque optei por não mudar de cidade para ficar com ele, então eu estava amando mais meu trabalho, minha namorada, meus amigos e família e que estão todos em Jundiaí. Isso me torturou por algum tempo. Até que entendi que não é possível fazer essa comparação, pois são amores de natureza diferentes. Não vai faltar amor ao meu filho se eu amar a mim mesmo, à minha empresa, meu propósito, minha namorada. São fontes diferentes de amor.

  1. Princípio de Ritmo e a conquista da serenidade;

Quando você reconhece que tudo na vida tem ciclos, que não existe repetição na vida, mas novos patamares, é porque você é outro em um novo momento. Tudo na vida vai dando voltas até que se fecha e se completa.

  1. A dinâmica da mente na reconstrução da sua jornada pessoal;

É importante que você mantenha sua saúde metal no processo de reconstrução de seu caminho. E nisso vale tudo: espiritualidade, cursos, livros, terapias, não pare de alimentar sua mente. Tenha amigos para além da cerveja e do futebol, que você possa falar claramente o que está sentindo.  Mantenha a saúde mental na construção do seu novo momento.

  1. Amor: Substantivo, adjetivo e verbo.

Aqui no Círculo falamos que o amor é movimento. Às vezes a gente confunde e fica só com o amor substantivo, que nos ajuda a dar contorno de compreensão lógica, mas é limitado demais. O amor não pode ser só adjetivo, porque ele começa a ser amor mesmo quando você projeta para o outro. Você vai entender o que é amor, mesmo quando o amor virar afeto, ação, movimento. E passa a viver o amor.

amor pai e filho

Como falei, eu vou para Curitiba duas vezes ao mês para ficar com meu filho. São 600 km cada trecho, 1200 km; 24.000 km por mês, mais de 28.000 km por ano. A circunferência da Terra mede 40.000 km. Isso significa que a cada 1.4 ano eu vou dar uma volta ao mundo nessas viagens.

Eu dou a volta nesse planeta quantas vezes forem necessárias para estar com meu filho, porque amor é movimento. Amor é verbo. O amor age e vai ao encontro. Tudo na sua vida vai encontrar o devido lugar na ordem dos fatores quando você aprende a amar. Movimente-se pelo seu filho/filha, faça o amor acontecer.


Assista a aula em vídeo:

 

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